Prédios abandonados, falta de segurança e sujeira: o centro perde espaço no turismo do Recife

Por Raquel Nascimento

A reflexão sobre a importância cultural e patrimonial do Recife começa em um passeio pelo Rio Capibaribe. Em um barco que sai próximo ao Marco Zero, que beira a orla do rio símbolo de nossa cidade, na tarde de uma das quintas-feiras de março, embarco para apreciar o céu, as pontes e os prédios do Centro do Recife. “Conhecer o Recife mil vezes se possível", era a frase que vinha à mente da recifense que não cansa de redescobrir sua cidade. Mas a principal motivação de realizar o passeio é conversar com alguns turistas e entender como o Centro do Recife os recepcionou. 


Polline, turista natural de Curitiba, conta como foi sua experiência no Bairro de São José: “Foi complicado. Eu e meu marido ficamos andando bem assustados, com medo. É muita gente, bem tumultuado, bagunçado, com muitas barracas espalhadas. Então decidimos vir para o Bairro do Recife que acreditamos ser mais tranquilo”.


O cenário descrito pela turista é real. O Centro do Recife, principalmente a Ilha de Antônio Vaz (bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga e Ilha Joana Bezerra), sofre com a insegurança, a desorganização do comércio e a falta de cuidado com o patrimônio histórico. Tais aspectos tornam baixa a atratividade do Centro para fins turísticos.


De acordo com o doutor em Turismo da Universidade Federal de Pernambuco, Sérgio Leal, o turismo do Recife vem passando por mudanças nos últimos anos: “Houve uma época em que Recife tinha o turismo de sol e de mar como principal, mas isso foi se alterando. Passamos a ter mais turismo de negócios e eventos. Hoje em dia, o cultural passou a ter uma relevância maior também, por conta dessa multiculturalidade da cidade, associada aos eventos e negócios.”


O aumento do interesse pelo turismo cultural e histórico não mudou a realidade vivida no Centro há muito tempo. A região que abarca diversas narrativas históricas contadas através das igrejas, praças e ruas continua sem a valorização adequada. 


Em meio ao comércio ambulante das estreitas ruas próximas ao mercado São José, nota-se esgoto sem tratamento, sujeira e prédios com a infraestrutura comprometida. Caminhar pelas calçadas do bairro é tarefa difícil. Nas travessas apertadas que interceptam a Rua das Calçadas, estão carroças de frutas e verduras, produtos de higiene, entre outros artigos. Devido a perecibilidade, os alimentos são encontrados estragados no chão, causando sujeira e mal-cheiro. 


O mesmo cenário é encontrado no Centro Comercial Cais Santa Rita, ainda no bairro de São José. O local é um tipo de feira diária que oferece frutas, verduras e hortaliças. Algumas das calçadas do centro comercial estão quebradas e com alimentos estragados e espalhados, sem contar com o esgoto a céu aberto que contribui para a cena de descaso. O local fica ao lado do Cais Santa Rita, um importante terminal de ônibus para quem se desloca ao centro da cidade. O turista que desejar visitar o centro e passar pelo terminal verá uma evidente negligência com a área. 


Vale ressaltar ainda que durante a apuração para reportagem não foram encontrados agentes de limpeza da prefeitura no bairro de São José.


O descaso, apesar de mais evidente nos bairros de São José e Santo Amaro,  que compõem a Ilha de Antônio Vaz, é visto também no Bairro do Recife. A localidade possui prédios deteriorados próximos ao Marco Zero, importante ponto turístico para o Centro do Recife. Amílcar, turista de Curitiba que visitava o local, notou a presença desses prédios durante seu passeio pelo Recife Antigo: “Vi que existem muitos prédios largados e abandonados nesse bairro que precisam ser não só revitalizados, mas também habitados de alguma forma”. 


Habitar os prédios do centro é uma das pautas que precisam ser pensadas pela prefeitura do Recife com mais atenção. Apenas 5% da população total da cidade mora no centro. A região acabou se tornando ao longo dos últimos anos uma área comercial e com funcionamento diurno, principalmente se olharmos para os bairros da Ilha de Antônio Vaz. À noite, as ruas ficam desertas, escuras e com pouca gente caminhando. O esvaziamento populacional causa a sensação de insegurança que tanto se fala quando o assunto é o Centro do Recife.  


As Igrejas Históricas do Recife


O Centro Histórico do Recife é povoado de prédios antigos. As igrejas são os edifícios históricos mais comuns, porém não são valorizadas como deveriam.  A igreja de São José do Ribamar, por exemplo, é um dos prédios mais antigos do Estado. O templo está localizado no bairro de São José e é tombado pelo IPHAN desde 1980, porém encontra-se fechado e abandonado, com janelas e portas quebradas.


Outra igreja que está em estado crítico é a que homenageia a Santa Rita de Cássia, localizada na rua de mesmo nome. O prédio está no centro do comércio do Recife, onde passam centenas de pessoas apressadas todos os dias para realizar suas compras. Ninguém parece notar a igreja que é escondida pelo tumulto do centro e pelas lojas coloridas com artigos variados ao redor. Apesar de estar aberta ao público, a fachada da igreja necessita de uma pintura e suas janelas de um conserto. O turista que desejar conhecer as igrejas que marcaram e ainda marcam a história do Recife vai encontrar a situação degradante dos prédios ou a porta fechada para visitação. 


A Basílica da Penha, situada na Praça Dom Vital, é uma das poucas igrejas que se mantém em estado digno. Ela está em funcionamento e com a fachada adequada. Apesar disso, existe um grande número de pessoas sem-teto no entorno da igreja, com objetos espalhados pelos bancos da praça. Porém este não é só um problema da praça Dom Vital, mas de toda a região central do Recife. Prédios abandonados, praças e calçadas são os lugares que os mais de 1.400 moradores de rua encontram para se abrigar. 


Mercado São José


O Mercado São José, um dos pontos turísticos mais conhecidos do Centro do Recife, é o local onde o turista pode comprar artigos manuais, artesanato, roupas e objetos que denunciem sua estadia na cidade. Inaugurado em 1875, é o mercado público mais antigo do Brasil, com cerca de 3.540 metros quadrados. 


Porém o mercado, que atrai tanta gente, precisa de uma melhor infraestrutura para acomodar todos os comerciantes, principalmente na área onde ficam os crustáceos e os peixes. Falta padronização dos corredores, organização dos estandes e uma limpeza mais eficaz. Foi aprovada a reforma do espaço desde março do ano passado pelo IPHAN, porém as obras iniciaram de forma visível esse ano, apesar das condições estruturais continuarem as mesmas. Atualmente, existe um canteiro de obras na parte externa do mercado, onde será construído um anexo do local, de acordo com o projeto da obra.  A intervenção faz parte do programa RECENTRO, lançado desde novembro de 2021, que visa revitalizar os espaços culturais do Centro do Recife.  


Márcia, vendedora que trabalha no espaço há 17 anos, comenta que a prefeitura prometeu um auxílio para os comerciantes previsto para o período em que o mercado estiver interditado, mas até o momento não houve a confirmação de quando será esse intervalo ou sobre o valor da assistência. Além da infraestrutura, muitos comerciantes queixam-se da da insegurança. Márcia reclama da falta de efetivo policial: “O policiamento é muito fraco, tanto dentro quanto fora do mercado. Eu não me sinto segura aqui”, diz a comerciante. 


Não foram vistos policiais ou seguranças nas redondezas do mercado enquanto a reportagem era apurada. 


Centro de Atendimento ao Turista (CAT)


Gerenciados pela prefeitura do Recife e pela EMPETUR, os Centros de Atendimento ao Turista (CAT’s) são espaços onde cidadãos e turistas podem obter informações sobre os atrativos turísticos, passeios e roteiros da cidade. Os sete CAT’s em funcionamento são localizados em regiões distintas do Recife: Aeroporto, Terminal Integrado de Passageiros Antônio Farias, Pracinha de Boa Viagem, Praça do Arsenal,  Segundo Jardim, Shopping Recife e Pátio de São Pedro. O último merece destaque, pois é localizado no Pátio São Pedro, um dos espaços culturais mais conhecidos do centro. Além da Catedral de São Pedro dos Clérigo, o pátio possui diversos prédios históricos e museus que podem ser visitados, como o Memorial Chico Science, o Núcleo da Cultura Afro-Brasileira e o Museu de Arte Popular. A maioria desses locais funciona de quarta a domingo. 


Na recepção do CAT Pátio São Pedro, Deborah, estagiária de Turismo, recebe os visitantes. Na mesa principal estão espalhados roteiros culturais, mapas e folhetos orientativos para ajudar os turistas e moradores da cidade a aproveitar o melhor do centro histórico do Recife. O local funciona de segunda a sexta, das 9h às 16h, porém nas segundas e terças quase não se vê a porta do CAT abrir, devido ao horário de funcionamento dos demais equipamentos culturais do pátio. 


Deborah, com bastante entusiasmo, conta das atrações do espaço, como exposições e feiras, mas enfatiza que a divulgação é fraca: “Não vejo muito a divulgação desse espaço, só mais em época de Carnaval. Vejo mais a divulgação dos eventos do Recife Antigo”. Ao realizar uma rápida busca vemos que a fala de Deborah realmente se concretiza. Os resultados para “turismo no Recife” no site de busca se resumem de início a praias, excursões no Bairro do Recife e passeios no Marco Zero, mas dificilmente se acha algo relacionado ao Pátio de São Pedro. 


A estagiária do curso de Turismo, também afirma que a segurança é um ponto a ser melhorado no espaço: “Às vezes, nós informamos os turistas sobre os lugares perigosos e orientamos sobre os cuidados”. No momento da apuração da reportagem, houve um assalto do lado externo do CAT do Pátio São Pedro. Uma senhora teve celular e colar roubados enquanto saía de um veículo. O contato com a vítima não foi possível. Funcionários dos equipamentos do pátio que não quiseram se identificar, reclamam da insegurança, e informam que ocorrem, em média, 6 assaltos por dia no local. 


Insegurança é a principal reclamação


O Pátio de São Pedro não é o único local do centro do Recife que desperta a sensação de insegurança nas pessoas. O resto do centro da cidade também produz a mesma impressão. 

Ainda segundo o turista Amílcar, durante o seu passeio, percebeu que o policiamento não é presente: “Estou rodando a região há dois dias, mas só vi uma viatura do BOPE”. 


A falta de segurança tem consequências. No dia 8 de dezembro do ano passado, dois turistas alemães foram esfaqueados no Pátio do Carmo durante um assalto, por volta das 11h. Um deles, Werner Duysen Gurkasch de 81 anos, faleceu após não resistir aos ferimentos. Três meses depois, dois turistas argentinos também foram agredidos e assaltados no mesmo bairro, porém não houve vítimas fatais. Os casos geraram repercussão na mídia, pois aconteceram em plena luz do dia e durante grande movimentação do comércio de rua. 


O medo não é um sentimento restrito a turistas e visitantes, mas quem trabalha no local também sofre com a insegurança. Silvana, ambulante do bairro de São José, foi assaltada 4 vezes desde que começou seu negócio de venda de lingerie. “Os ladrões muitas vezes nem chegam a assaltar com arma de fogo, mas sem nada mesmo, eles chegam e levam tudo. Não vejo policiamento, às vezes aparece, mas passam andando e vão embora”, comenta a vendedora. 


Segundo o professor Sergio Leal, a segurança é um dos primeiros critérios levados em consideração pelo turista antes de escolher o destino: “A percepção de segurança que o turista tem de determinada localidade está muito relacionado ao que ele vê na mídia. Então, na hora de escolher para onde viajar, dentre várias opções, o turista vai ver os casos de violência que já aconteceram e optar por não vim para o Recife.” 


Além de não serem encontrados policiais nos bairros de São José e Santo Antônio durante a apuração da reportagem, a delegacia mais próxima fica no Bairro do Recife, que apesar de compor o Centro do Recife, fica do outro lado da região. Apenas existe, no Bairro do Recife, a Companhia Independente de Apoio ao Turista (CiaTur), composta por policiais militares que fazem a segurança do local e auxiliam os turistas com dúvidas. Entretanto, bairros como São José e Santo Antônio, que também detém potencial turístico não explorado, não são atendidos pela organização. Na própria página de divulgação da CiaTur, em vídeo, uma policial da companhia diz: “Onde a gente está não ocorre crime, porque os criminosos nos veem e não fazem o delito”. Parece, portanto, que o Poder Público não reconhece os bairros de São José e Santo Antônio como turísticos, privando-os do acesso à segurança especializada. 


RECENTRO


Com intuito de revitalizar o Centro do Recife e potencializar o desenvolvimento econômico, arquitetônico, histórico e cultural de forma integrada dos Bairros do Recife, São José e Santo Antônio, foi criado em novembro de 2021 o programa RECENTRO. O gabinete, chefiado por Ana Paula Vilaça, tem status de secretaria e está ligado diretamente ao prefeito João Campos. 


Há movimentações benéficas desde a criação do programa, porém são quase imperceptíveis para quem passa pelo centro da cidade. Alguns dos prédios estão com a revitalização parada, envolvidos com redes de proteção. Já os eventos no centro se concentram no Recife Antigo, próximos ao Marco Zero e ao Porto Digital,  poucos como o Viva Guararapes são alocados nos bairros de São José e Santo Antônio, embora a promessa era que o projeto alcançaria os três bairros. Mas o pouco investimento no programa provoca o seu insucesso. De acordo com o Portal de Transparência da Prefeitura do Recife, em 2022 foram aplicados pouco mais de 2 milhões de reais no gabinete, o que representa menos de 1% de todo o orçamento do governo da cidade. 


Embora não se consiga observar muitas mudanças, não podemos deixar de notar, devido a sua amplitude, a construção do Hotel Marina, no bairro São José. O empreendimento, com inauguração prevista para este ano, tem o apoio da prefeitura através do RECENTRO e promete alavancar o turismo da região. De acordo com informações divulgadas pela prefeitura, o Hotel Marina contará com 300 quartos distribuídos em 4 andares, além de piscina, restaurantes, bares e lojas. Porém, ao criar seus próprios estabelecimentos comerciais, o empreendimento ao invés de incentivar o comércio turístico do Centro,  pode prejudicá-lo. 


Apesar deste problema, o novo prédio vem suprir uma necessidade atual do Centro: a carência de hotéis. Em uma rápida pesquisa no site Hoteis.com, um dos portais de hospedagem mais famosos do país, o resultado foi vários hotéis no bairro da Boa Vista, mas nenhum no bairro de São José ou Santo Antônio. O Hotel Marina promete aos turistas um deslocamento menor e mais eficiente, devido a sua proximidade com o Centro Histórico do Recife. 


Ainda assim, não adianta ter acomodação para o turista, se o seu passeio não é seguro. Não adianta construir novos prédios, se os antigos estão abandonados. Não adianta tentar fazer turismo, se não há preservação do patrimônio histórico de nossa cidade.


Queríamos poder convidar todos, hoje, com o mesmo entusiasmo e convicção que Ary Lobo convidava em sua canção: 


“Se não conhece o Recife

Venha que eu vou lhe mostrar

A cidade tem movimento

Quem quiser vê, vamos passear”






Galeria de Fotos: 



Prédio Abandonado, próximo a ponte Maurício de Nassau



Companhia Independente de Apoio ao Turista, Bairro do Recife




Prédio em revitalização, Bairro do Recife



Polline e Amilcar, turistas entrevistados




Igreja São José do Ribamar, bairro São José



Fachada Igreja São José do Ribamar, bairro São José



Igreja Santa Rita de Cássia, bairro São José




Mercado São José, bairro de São José


Lixo Acumulado, Centro Comercial Cais Santa Rita



Lixo Acumulado, Centro Comercial Cais Santa Rita


Lixo Acumulado, Centro Comercial Cais Santa Rita




Calçada quebrada, Centro Comercial Cais Santa Rita



Pátio do Carmo, bairro Santo Antônio









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