RESENHA | A Câmara Clara, de Roland Barthes

Resenha “A Câmara Clara”

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução de Júlio

Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

Por Raquel Nascimento



Na maioria das vezes enxergamos a fotografia como algo que registra um

instante. E de fato, a fotografia captura o momento, o segundo, o ápice. Entretanto,

ao analisar a obra “A Câmara Clara” , de Roland Barthes, nos deparamos com um

significado subjetivo e incomum da fotografia. Publicado em 1980, o livro nos leva

através de aspectos poéticos e filosóficos a entender os vários sentidos que a

fotografia pode ter a depender do observador. Barthes tentará através de 48

pequenos textos encontrar a real essência da fotografia e também uma forma de

classificá-la (algo que, adianto, não será possível). A linguagem íntima e pessoal do

autor, traz ao livro a simplicidade e fluidez que nos permite compreender a real

natureza da fotografia.


Barthes inicia sua obra nos mostrando os motivos pelos quais a fotografia

torna-se inclassificável, deixo aqui dois mais interessantes. Primeiramente, ela

repete o que jamais poderá ser repetido novamente na existência. Isso não é tão

novo, e nem nos atinge fortemente à primeira vista, já que sabemos que a fotografia

pode capturar algo que não irá reproduzir-se outra vez. Porém, se refletirmos sobre

isso verdadeiramente encontraremos formas de atravessar a realidade e manter

“vivas” memórias adormecidas. A segunda característica que a torna inclassificável é

o fato da fotografia ser sempre sobre algo e nunca sobre ela mesma. Essa se torna,

no início da trajetória do autor desse livro, sua fatalidade. Para Barthes a fotografia

não existe sem algo, ou seja, há sempre outro objeto, coisa ou ser que está presente

nela: “Essa fatalidade (não há foto sem alguma coisa ou alguém) leva a fotografia

para a imensa desordem dos objetos [...] (p. 16)”.


Depois de descobrir que tal fatalidade, o autor vai fazer de si mesmo o saber fotográfico.

 Através de suasexperiências fotográficas, Barthes vai dizer que a fotografia é dividida 

em três práticas: operator, spectador, spectrum. A primeira é o agente responsável por

observar em uma cena algo especial para ser registrado, ou seja, ele é o fotógrafo.

Já o spectador somos todos nós, que vemos, apreciamos e observamos em todos

os lugares as fotografias, isto é, o público “consumidor”. O Spectrum, para o autor, é

aquilo que é fotografado, o objeto que está ciente ou não que seu corpo está sendo

registrado. A partir dessas três divisões, Barthes decide apenas focar no spectador e

no spectrum, pois são situações que ele já viveu, já que não é fotógrafo (Operator).


Percebemos, no decorrer da leitura, que é importante para o autor se

aprofundar no spectrum, o referente na foto, por isso vamos nos deter nele por

enquanto. Existem duas situações distintas que podem acontecer quando o

spectrum é fotografado: ele percebe que está sendo fotografado ou não. Na primeira

situação, existe uma tendência do objeto a querer performar e posar para a foto,

mantendo certa postura, o cabelo arrumado e os braços em uma posição

visualmente adequada. Isto acontece de maneira tão natural que o sujeito na foto,

eu e você, não paramos para refletir porque precisamos performar e mostrar nosso

melhor ângulo, por exemplo. Entretanto, o autor nos faz perceber, mesmo que

indiretamente, que somos levados a performar constantemente, já que é tão comum

sermos registrados. Precisamos, segundo Barthes, defender nosso direito de ser

Sujeito e não apenas um objeto e de termos uma vida privada, onde possamos ser

genuinamente e somente Sujeitos.


De forma clara conseguimos enxergar no livro uma crítica à sociedade

pós-moderna, na qual o consumo de imagens é intenso e exagerado:


Diante dos clientes de um café, alguém me disse justamente: “Olhe como

são apagados; hoje em dia, as imagens são mais vivas que as pessoas.”

Uma das marcas de nosso mundo talvez seja essa inversão: vivemos

segundo um imaginário generalizado. Vejam os Estados Unidos: tudo aí se

transforma em imagens: só existem, só se produzem e só se consomem

imagens (p.173).


Se o autor já observava que tal fenômeno se acentuava quando escreveu o

livro em 1984, acredito que se vivesse na sociedade atual, na qual as imagens são

vistas a um clique através da internet, estaria perplexo.

Barthes continua sua análise sobre a fotografia mostrando sua dualidade.

Para ele, a foto pode ter dois aspectos que norteiam nosso interesse em apreciá-la.

O primeiro, studium, é aquele afeto objetivo da foto, um interesse vago que nos faz


ficar pouco tempo observando a imagem: “Reconhecer o studium é fatalmente

encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las,

desaprová-las, mas sempre compreendê-las, discuti-las em mim mesmo, pois a

cultura (com que tem a ver o Studium) é um contrato feito entre os criadores e

consumidores (p. 48)”. Já o segundo, chamado de punctum pelo autor, é aquele que

faz a foto especial, entrando em contradição com o studium. Para Barthes uma foto

com um toque de punctum é rara, nos fere e nos punge. Poucas fotos despertam o

interesse de do autor e o desejo de permanecer observando-as, essas são dotadas

de punctum. O autor define da seguinte forma: “[...] com muita frequência, o punctum

é um “detalhe” ou seja, um objeto parcial, assim dar exemplos de punctum é, de

certo modo, entregar-me (p. 69)”.


Posteriormente, o autor descobre outro conceito de punctum que não está

mais ligado à forma, mas ao tempo. De maneira íntima e pessoal, na maioria das

vezes, o punctum nos atinge, através da nossa subjetividade e de nossas

lembranças. Nota-se isso através dos relatos do autor sobre a motivação de

escrever o livro: a morte de sua mãe. Ao tentar organizar as fotografias da mãe,

Barthes encontra memórias esquecidas e experimenta sensações únicas: “Eu lia

minha inexistência nas roupas que minha mãe tinha usado antes que eu pudesse

me lembrar dela (p. 97)”.


Barthes permitiu que o punctum das fotografias o atravessasse, e assim teve

a experiência além do studium. A "Câmara Clara” é um relato único e singular, assim

como a fotografia que nunca mais poderá ser reproduzida novamente e nem da

mesma maneira.

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