A Jornada de Maria Eliete Santiago na Educação
Quem é a professora que transformou a arte de ensinar em uma aventura criadora segundo Paulo Freire
Na sala nomeada de E05, no térreo do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, Maria Eliete Santiago, de 76 anos, aguarda para ser entrevistada. Não que seja a entrevista mais marcante de sua vida, mas é para a estudante de Jornalismo que a abraça na porta. A professora titular do Departamento de Políticas e Gestão da Educação da UFPE é uma das poucas privilegiadas pela docência viva do filósofo e professor Paulo Freire, referência no campo educacional.
Eliete é especial não só pela oportunidade que teve de ser orientada por Paulo Freire ou pela sua trajetória como admiradora e perpetuadora da obra do seu mentor, mas principalmente por ser uma educadora.
Filha da união de Maria Gloria Santiago e Edson Felinto Santiago, a menina Eliete já praticava sua profissão do futuro desde pequena, apesar de não ser um sonho previamente pensado. “Ainda muito cedo eu comecei fazer o exercício de ser professora, seja porque eu era uma menina que já ajudava aqueles que sabiam menos, seja porque eu já era alfabetizada e ensinava quem não era alfabetizado”, diz Eliete.
Ensinar não era um sonho na década de 1960, e sim uma possibilidade viável. Isso porque, segundo a professora, as oportunidades para meninas das camadas populares de exercerem uma profissão seria justamente na docência, e é por isso que Eliete não acredita em vocação. “O que existe são as possibilidades que sujeitos adquirem nas condições sociais que eles vivem, ou seja, a vocação é uma construção social.” No entanto, a professora enfatiza que, se tivesse que escolher uma profissão hoje, optaria sem dúvida pelo magistério.
Apesar de não ser um sonho no momento, a profissão como professora foi o que Eliete Santiago conquistou em 1971 com o diploma do curso de Pedagogia da UFPE. Antes disso, em 1966, ela recebeu o título de professora do magistério primário pelo Instituto de Educação de Pernambuco. Como professora básica, trabalhou em diversas instituições públicas do Recife, incluindo as escolas Clóvis Beviláqua, localizada no bairro do Hipódromo, e Rosa de Magalhães Melo, em Beberibe, ambas de ensino primário na época. Após sua contribuição para a educação básica, Eliete passou a lecionar em instituições de ensino superior, como a Universidade Católica de Pernambuco, onde trabalhou de 1976 a 1995, e a Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE), onde ensinou por três anos.
Embora não tivesse inicialmente pensado em assumir um cargo de gestão de sistema, já que era professora, ela aceitou o desafio de ser secretária de educação e diretora de Ensino. A primeira ocorreu em 1989, quando se tornou gestora da educação no município do Cabo de Santo Agostinho. Durante esse período, Eliete compartilhou a experiência com Paulo Freire, pois o educador também exerceu a mesma função na cidade de São Paulo.
A segunda como diretora de ensino da cidade de Olinda, função que permaneceu por um ano. Para Eliete, a vivência como gestora “foi um exercício dos princípios Freireanos e a prática de alguns princípios democráticos, entre eles a da participação coletiva.”
AMIZADE COM FREIRE
A paixão pela educação levou Eliete a São Paulo. A professora decidiu realizar uma pós-graduação na Universidade Pontifícia (PUC-SP) em 1982. Foi nesse período de especialização que Eliete conheceu pessoalmente Paulo Freire e buscou sua orientação para a dissertação. O contato com o professor, porém, veio antes disso. Segundo Eliete, o encontro aconteceu através de seus textos nos anos 1970, principalmente no livro Pedagogia do Oprimido. Já em São Paulo, no mestrado, como orientanda de Freire, Eliete construiu uma bonita amizade com o professor. “Foi ele que disse que eu era amiga dele, então por isso que eu, ousadamente, uso essa palavra, porque foi ele que assim o fez”, afirma a professora.
A proximidade dos dois educadores rendeu à Eliete duas menções nas obras Educação na Cidade (1991) e Pedagogia da Autonomia (1997), nas quais Freire a descreve como uma professora cujo arte de ensinar é uma aventura criadora. “Ele assim disse, talvez, pela ousadia que eu tenho para ensinar e aprender, pela abertura que eu tenho para ensinar e aprender, talvez também pelo modo criativo que eu tenho e também pela não repetitividade, pelo não mecanicismo e pela escuta” declara Eliete.
A professora retribui a referência de Freire organizando, em parceria com José Batista Neto, em 2021, o livro “Olhares sobre Paulo Freire”, uma coletânea de textos com a visão de 19 professores e pesquisadores, estudiosos da obra Freireana, sobre a vida do professor brasileiro. Não só o livro é uma retribuição, mas também todo o trabalho que Eliete tem desempenhado durante sua trajetória como professora e pesquisadora da obra Freireana.
DE ORIENTANDA PARA ORIENTADORA
A partir de 1995, a professora começou a ministrar aulas para alunos da graduação de Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, e posteriormente para estudantes da pós-graduação, entre eles mestrandos, doutorandos e pesquisadores. Quem teve e tem Eliete como orientadora ressalta que a didática da professora segue rigorosamente os princípios da metodologia de Freire.
Kalyna Aguiar, 57 anos, professora do Departamento de Artes da UFPE e pesquisadora da Cátedra Paulo Freire, teve a oportunidade de ter Eliete como orientadora de doutorado em 2021. “É incrível como ela consegue colocar e materializar os fundamentos pedagógicos freireanos, seja em uma simples reunião, na organização de um evento, em uma disciplina ou orientação. Tudo está dentro da coerência freireana.”
A amiga e professora universitária de História na UNICAP durante o mesmo período de Eliete, Semadá Azevedo, de 71 anos, não apenas teve a chance de conviver como colega de profissão, mas também foi orientada por Eliete em sua dissertação de mestrado. “A amizade não impediu um trabalho de orientação firme. Inclusive, já ao final do percurso, ela foi muito clara que o trabalho que eu estava apresentando naquele momento ainda não era satisfatório, que precisava de uma revisão urgente. Ela apontou as falhas e as necessidades. Fiz essa revisão e fomos para a defesa e foi tudo bem”, diz a ex-orientanda da professora.
Para Eliete, palavras como liberdade, humanização, diálogo e ética resumem a essência de Paulo Freire. O que é realmente notável é que essas mesmas palavras são usadas pelas pessoas que receberam sua orientação quando descrevem a própria Eliete.
Não só colegas de trabalho, pesquisadores e alunos da pós-graduação reconhecem Eliete como uma potência da educação. O Conselho Estadual de Educação de Pernambuco concedeu à professora o Mérito Educacional Professor Paulo Freire. “Sou reconhecida por muita gente que fez e faz a caminhada comigo mediante gestos que me têm ensinado a ser professora. Essas pessoas construíram pontes e estiveram e estão nas travessias da vida e da profissão”, declarou a professora na cerimônia de recebimento da comenda, em 23 de outubro de 2015.
ELIETE HOJE
Aos 76 anos, Maria Eliete Santiago continua ministrando aulas, orientando alunos da pós-graduação e fortalecendo a metodologia de Freire na UFPE. Através da sua coordenação, a Cátedra Paulo Freire, criada em 2005, oferece cursos, seminários e uma variedade de atividades durante todo ano para manter viva a memória e a produção da Pedagogia do professor brasileiro.
Um dos eventos promovidos pela Cátedra e organizado também por Eliete é o “Paulo Freire
em Setembro”, que acontece justamente no mês de aniversário do professor. Na abertura deste ano, que ocorreu no dia cinco de setembro, a educadora ocupou o centro da mesa e foi a primeira a se dirigir ao público. Todos se mantiveram atentos e conscientes de que estavam diante de uma referência incontestável quando o assunto é Paulo Freire. Uma das convidadas da mesa de abertura resumiu o sentimento geral ao dizer: "Não podemos elogiar o barco sem elogiar a comandante Eliete"
A professora encerra nossa conversa exaltando seu mentor: “Paulo Freire é além do campo da educação, Paulo Freire é do mundo”. Todos concordam que Eliete, da mesma forma, também é do mundo (e é um presente para o mundo).
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