Financiamento Rural ainda é desafio para a agricultura familiar no Brasil


 Pequenos produtores enfrentam dificuldades para acessar o subsídio, administrar o recurso  e comercializar a produção agrícola


Por Raiane Andrade e Raquel Nascimento 


Embora muitas vezes ofuscada pelas imponentes cifras do agronegócio, a agricultura familiar assume uma posição central na economia nacional. Protagonizada por inúmeras famílias espalhadas por todo o país, este modo de produção é responsável por mais de 70% dos estabelecimentos agrícolas e ocupa cerca de 10 milhões de pessoas, segundo o último censo agropecuário do IBGE de 2017. 


A agricultura  familiar é um modo de agricultura praticado em pequenas propriedades rurais por famílias ou grupos de agricultores. Os produtos colhidos servem tanto para a subsistência quanto para atender a demanda local, por se tratar de uma produção em pequena escala. 


Em contrapartida, o agronegócio produz para a exportação no país. Para a economista e professora da UFPE? Monaliza de Oliveira Ferreira, esse tipo de produção é mecanizada e tem relações de trabalho diferenciadas (patrão e empregado). “A agricultura comercial gera divisas, isto é, o dinheiro proveniente das exportações, gerando o PIB [Produto Interno Bruto] que tanto se fala na Mídia. É o Agro.”, enfatiza a docente da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Campus Acadêmico do Agreste (CAA).  


O relatório World Food and Agriculture realizado, em 2021, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aponta o Brasil como o terceiro maior produtor de alimentos do mundo. Entretanto, a maior parte dessa produção é destinada à exportação. Logo, a responsabilidade de produzir a maioria dos alimentos que chegam às nossas mesas fica a cargo dos pequenos produtores. O Agro pode ser tech e até pop, mas não é tudo.


A agricultura familiar apresenta vantagens como a possibilidade de gerar renda e promover o desenvolvimento econômico de localidades que distam dos centros urbanos. Também permite a produção de alimentos diversificados e com qualidade, além de preservar a tradição cultural. Isso porque produz alimentos característicos de uma determinada região em detrimento dos alimentos padronizados característicos do agronegócio. 


Para garantir a manutenção da atividade agrícola familiar é ofertado, pelo governo ou pelas instituições financeiras credenciadas, o acesso ao Crédito Rural. Esse tipo de financiamento é concedido através do investimento feito pelo Plano Safra, um programa econômico que apoia pequenos e médios produtores nas despesas relacionadas à produção e comercialização de produtos agropecuários. O valor deve ser aplicado seja na aquisição de insumos, equipamentos e maquinários, seja na melhoria da infraestrutura da propriedade rural. 


Com validade de um ano, o plano feito pelo Governo Federal destina verbas para custeio, industrialização e comercialização dos produtos agrícolas em diversos subprogramas e linhas de crédito. Na edição deste ano, lançada em julho, foram R$364,22 bilhões concedidos ao programa. Embora o pequeno montante de R$77,7 bilhões seja investido na agricultura familiar, a quantia é 34% superior ao do ano passado. 


A iniciativa também reduziu os juros, de 5% para 4% ao ano, para quem produz alimentos como arroz, feijão, mandioca, tomate, leite, ovos, entre outros. Ainda assim, de acordo com a pesquisa feita pela Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) em 2021, a alta taxa de juros está entre as principais dificuldades no acesso ao crédito. Em 2020, cerca de 17% dos pequenos agricultores não conseguiram o financiamento rural em função dos elevados juros. 


Pronaf se destaca


O crédito rural mais acessado e reconhecido do Plano Safra é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O programa foi instituído em 1996 e tem como objetivo principal a redução das desigualdades sociais e a melhoria das condições de vida das famílias agrícolas de pequeno porte. O Pronaf conta com uma linha de pagamento acessível, com prazo de quitação que varia entre um e três anos, dependendo do tipo de cultura. O número de parcelas também pode mudar de acordo com a produção do agricultor.


Para acessar esse tipo de crédito, o agricultor rural precisa residir próximo ou morar na propriedade, obter área superior a 4 módulos fiscais (a medida em hectares varia de acordo com a região do país), ter no mínimo 50% (cinquenta por cento) da renda bruta familiar originada da atividade agropecuária e ter o trabalho familiar como predominante no estabelecimento. Outro critério é a obrigatoriedade do produtor rural não ser inadimplente, ou seja, agricultores endividados não podem solicitar o Pronaf. Essa regra prejudicou o trabalho de 26,1% dos agricultores que buscaram o crédito, segundo a pesquisa feita pela CNA.


O Pronaf desempenha um papel essencial na luta contra a pobreza rural, na promoção do desenvolvimento sustentável do campo e na garantia de segurança alimentar para a população brasileira. Entretanto, no estudo realizado pela CNA, mais de 38% dos pequenos agricultores entrevistados nunca contrataram crédito rural. Em 2020, apenas 26,6% dos pequenos produtores conseguiram o empréstimo, e quanto menor a faixa de renda, menos produtores tiveram acesso ao financiamento. 


Segundo o professor da Universidade Federal de Pernambuco e economista especializado em crédito rural, Carlos Magno, esse dado não é sem motivo. “Existe um grupo significativo da agricultura familiar, principalmente entre os assentados da reforma agrária, que tem uma escolaridade baixa. Então, há uma natural dificuldade em entender as condições, os termos e o crédito rural em si”, explica o docente.



Agricultora do assentamento Chico Mendes III em Paudalho - PE desde 2008, Gercina Costa, 68 anos, trabalha com a terra desde criança. Aposentada com a profissão que ainda exerce, Gercina diz que enfrentou problemas para conseguir um financiamento de 25 mil reais: “A maior dificuldade é quando chega para ir ao banco. Se o dinheiro saísse com 2 ou 3 meses, mas não. Passou muito tempo desde que pedimos, cerca de 3 anos, para  eu receber o Pronaf. Quando o dinheiro saiu não deu mais pra nada.” 


De acordo com a professora Monaliza Ferreira, as dificuldades dos agricultores não se limitam apenas à plantação dos alimentos. “Hoje, o produtor familiar precisa de uma assistência que vá além da agricultura, porque muitas vezes o agricultor já sabe cuidar da sua terra. Ele precisa de assistência para gerir o recurso que recebe”, esclarece. 



Maria Gomes da Silva, 58 anos, agricultora aposentada do mesmo assentamento, acredita que falta amparo da gestão pública para os produtores conseguirem viver com a venda das mercadorias. “Se as autoridades olhassem para o povo do campo e para os pequenos agricultores, nós conseguiríamos fazer alguma coisa. Eles poderiam ajudar com kits de irrigação e mudas de plantas”, ressalta.


O sindicalismo no apoio a agricultura familiar



Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) visam assegurar os direitos dos pequenos produtores do campo. Dessa forma, oferecem informações e benefícios a essa classe trabalhadora. Para se associar ao sindicato, o agricultor precisa ter a documentação da terra e comprovar o exercício de sua profissão.


José Martins Santana, 58 anos, agricultor e presidente do STR de Carpina (cidade localizada na Mata Norte de Pernambuco) aponta que a agricultura familiar “vai manter os agricultores, as mulheres e os homens na área rural, na sua propriedade, dando sustentabilidade para o produtor não sair da terra, e produzir para gerar sua renda”. 


O sindicalismo rural visa solucionar os problemas enfrentados pelos agricultores, mediante ações que proporcionem benefícios à categoria dos trabalhadores rurais. “O trabalho do sindicato é organizar os trabalhadores, no caso, os agricultores. E incentivá-los a produzir e comercializar”, aponta Martins. O presidente do sindicato também enfatiza a necessidade de capacitar os agricultores, de modo a instruí-los a se associarem às cooperativas para que os atravessadores não tirem proveito de sua produção. 


Na cadeia produtiva, o atravessador atua como intermediário entre os produtores e consumidores finais no que se refere à comercialização dos alimentos. Entretanto, na maioria das vezes, eles prejudicam os agricultores familiares à medida que reduzem as margens de lucro para os produtores e aumentam os preços para os consumidores. De acordo com a economista Monaliza, o agricultor familiar passa a produção a um valor baixo e os supermercados repassam a um valor bem mais alto.


A agricultora Maria José de Freitas, 35 anos, possui formação em Engenharia Agronômica e produz alimentos em sua propriedade juntamente com a família. O Sítio Batalha fica localizado em Lagoa de Itaenga - PE. Atualmente, a agrônoma integra a Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A CPT tem o intuito de fornecer suporte e orientação aos trabalhadores rurais na reivindicação de seus direitos, além de assegurar o acesso à terra e o uso sustentável dos recursos naturais. 


Com relação à venda de seus produtos, Maria José afirma que toda a produção está sendo comercializada diretamente com o consumidor.  “A gente trabalha nessa perspectiva de não ter atravessador, porque sabemos que o lucro fica todo em torno dele. Então, buscamos fazer esse trabalho, essa comercialização justa, direta com o consumidor; até para que ele conheça a qualidade do nosso produto”, relata.


Maria José busca incentivar as outras comunidades do entorno a continuarem com a produção agroecológica, sem o uso de veneno. “Buscamos a cada dia a permanência no campo, a diminuição do êxodo rural, e mostrar que aqui a gente consegue viver bem, se alimentar bem, sem ter a necessidade de sair para outros locais”, finaliza. 







Fontes dos dados:

Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO

Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB


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